domingo, 30 de agosto de 2020

SENHORA DAS NEVES: UM RITUAL AGRÁRIO NO CALENDÁRIO LUNAR QUANDO O TEMPO SE ABRE E O DIABO SE SOLTA


SENHORA DAS NEVES:

UM RITUAL AGRÁRIO NO CALENDÁRIO LUNAR

QUANDO O TEMPO SE ABRE E O DIABO SE SOLTA

 

Por Miguel Monteiro

 

 

«Na última sexta-feira de Agosto, a cerca de 13 Km de Fafe, a serra de Fafe ganha uma particular excitação.

As festividades da Senhora das Neves são o atractivo de multidões de foliões que, naquele local, buscam o divertimento comum a todas as romarias minhotas.

Porém, todas elas têm algo de muito particular que motiva os forasteiros a marcá-las com a sua presença anual.

No caso da Festa da Senhora das Neves, o que anima particularmente todos os que a frequentam, além do tradicional acto religioso da Missa e da procissão é o tirar o diabo; para isso, o sacerdote coloca a santa na cabeça dos forasteiros e o diabo vai-se.

A crença na sua existência é afirmada pelas suas travessuras, por muitos testemunhados, e da sua estranha força manifestada no corpo de uma enfezada qualquer, que obriga à participação de um grupo de valentes na condução da possessa junto do altar, de modo que a santa lhe seja colocada na cabeça.

Na primeira década do século XVIII, o culto era praticado naquele lugar, desde o dia cinco de Agosto, até ao último sábado do mesmo mês, e, desde o primeiro sábado da Quaresma, até ao último sábado do mesmo período.

Naquele século, o Santuário é descrito como tendo começado por uma capela situada no cume da serra, mais tarde transformada em igreja, e situada junto de um largo terreiro com algumas árvores, que fazem o lugar aprazível e ermo, onde tinham fronteira os concelhos de Cabeceiras, Guimarães, Monte Longo e Celorico de Basto.




Hoje, é ainda um pequeno lugar do concelho de Fafe, territorialmente dividido, pelas freguesias de Aboim e Várzea Cova. A lenda atribui a origem do seu culto à descoberta de uma imagem, de cerca de palmo e meio, por uns pastores e que terá sido escondida por algum cristão durante as invasões árabes.

O lugar era designado por Allagoa, no século XVI, onde muitos, com alguma correcção, procuram referências semânticas a uma terra alagada, ou seja, com abundância de água, ou pantanosa.

Porém, a natureza montanhosa e agreste do sítio distancia-nos desta ideia, colocando-nos mais nos significados simbólicos da água.

Os ritos que usavam a água estavam associados, já nos tempos pré-romanos, a gestos simbólicos de purificação e fertilidade, permanecendo até aos nossos dias no ritual religioso de todas as crenças.

O cristianismo prolongou até aos nossos dias o seu uso nos ritos cristãos do baptismo, da morte, da primeira utilização de uma casa, edifício público, nas mãos do sacerdote antes do Santo Sacrifício, da primeira água dos banhos das crianças recém-nascidas e uma infinidade de rituais públicos e privados.




No lugar da Lagoa, inicialmente ligado à simbologia purificadora da água e ao culto da fertilidade, surge um outro símbolo, com igual efeito e com origens prováveis na Idade Média: o culto da Senhora das Neves que, quando colocada na cabeça dos romeiros, tira o diabo.

A fácil substituição dos elementos simbólicos, em que a Santa passa a ocupar a função da água, poderá ter como explicação a necessidade de excluir as mulheres de um santuário feminino.

As sacerdotisas brancas, que executariam os banhos santos, são substituídas por homens, sendo estas forçadas ao lugar de uma representação iconográfica da Senhora das Neves que as substitui na função purificadora e propiciatória da fertilidade.




Neste processo de cristianização do lugar que associamos à água vemos surgir uma Santa, cuja designação continua a ser a água em estado sólido: Neves. Esta denominação reforça a função simbólica purificadora através da cor branca que a água em estado sólido possui: as neves.

A água ou as Neves, como referência simbólica da purificação, ou brancura, quando colocada na cabeça dos romeiros liberta-os do negro e dos males, que aqui é reconhecido como tirar o diabo.

Actualmente, todos os que frequentam este lugar na última sexta-feira de Agosto, dirigem-se ao interior do Santuário onde lhes é colocada a Santa tirando-lhes o demónio, sendo necessária uma reza dita três vezes, pelo sacerdote.

Os frequentadores deste santuário cumpriam ainda, há cerca de trinta anos, um outro rito, também praticado na festa da Senhora do Viso, na serra da Lameira, através da simulação ritualizada da «morte».

Do terreiro central, onde se realizava a romaria, saíam, deitados num esquife, os que haviam feito tal promessa à Santa. Simulavam-se mortos, numa procissão rapidamente improvisada, não faltando a filarmónica presente para abrilhantar o momento.

A simulação da morte, era também simbolizada por vestes brancas utilizadas pelos romeiros que faziam o percurso da procissão cristã debaixo dos andores dos santos.

Os caixões foram proibidos e retirados destas festividades, realizadas à margem dos programas oficiais, e o uso de sudários foi-se perdendo com o tempo, sendo já raro o seu uso.

Porém, quer a simulação da morte ritualizada em acto festivo, quer dos amortalhados que se colocavam sob os andores, integravam manifestações ritualizadas da «morte» ou passagem para o novo estádio, abrindo horizontes para uma vida nova (novo tempo), ou novas vidas (fertilidade), como se se tratasse de um rejuvenescimento, do qual usufruíam os seres férteis.




Estaríamos assim perante o uso da água que afasta os males; a sacerdotisa que esconjura, usando a Santa; o amortalhar-se e caminhar por debaixo de um andor; o deitar-se num esquife e renascer depois, etc.

Assim se estabelecem fortes relações simbólicas de oposição entre a vida e a morte; o bem e o mal; a fértil e estéril; o branco e negro; o puro e o impuro; o masculino e o feminino; a terra e o sol; o homem e a mulher.

A água, o branco das vestes e o simular da morte, simbolizam os tempos de «limpeza», purificação, fertilidade, renascimento. O negro é a morte, o impuro dos amortalhados que se dispõem no caixão, significam o tempo estéril, o tempo impuro e dos males que impedem o renascimento que a comunidade espera.

Os rituais, que as comunidades praticam, cumprem calendários obrigatórios e fixos com grande significado no calendário agrícola, opostos no ano solar e lunar, que se manifestam em tempos festivos: dia de S. João em oposição ao Natal; o dia de Carnaval em oposição ao dia 24 de Agosto.

Esta indicação do calendário do culto da Senhora das Neves, coloca-nos temporalmente nos momentos opostos do solstício agrário, dividido em tempos opostos: a Quaresma e o Agosto.




Na primeira década do século XVIII, o culto praticava-se desde o dia cinco de Agosto até o último sábado do mês, e desde o primeiro sábado da Quaresma até ao último sábado do mesmo período.

Este calendário era móvel e regula pelas fases da lua, limitado pelos sábados. Cada um dos tempos de culto define os tempos bons e maus para fazer as colheitas e as sementeiras, para além do profundo significado real, têm valor simbólico para os agricultores que, ainda hoje, marcam as tarefas agrícolas.

O cumprimento do calendário lunar potencia as boas colheitas, marca o corte das árvores para fazer boa madeira e prevêem-se os dias dos nascimentos.

Estas atitudes, reguladas pelas aparências que a lua apresenta, sentem-se nas comunidades, na identidade completa dos seres femininos com o conjunto dos outros seres férteis no contexto cultural agrário, comportando-se a terra como uma mãe e as mães como a terra.




Transcrevemos aqui dois documentos fac-similados , um de 1706 e outro de 1886, que nos dão um conjunto de informações muito importantes onde nos aparece uma breve síntese descritiva do culto no santuário da Senhora das Neves :

«SANTA MARIA DE ABOIM, Vigairaria do Abbade de Roças […]. Está esta tam devota, como antiga imagem em hum fermoso Templo, que se fundou de esmolas no cume de huma serra, aonde quasi juntos partem este Concelho com o de Guimarães, Monte Longo, & Celorico de Basto, tem hum largo terreiro com algumas arvores, que o fazem aprazível; entende-se que naquellas brenhas a deixaria algum Christão, quando os Mouros entraraõ em Espanha, & depois a acharam huns pastores, que nesta montanha apascentavão o gado: a  imagem he de palmo & meyo, morena, como saõ as mais daquelles tempos.

Logo concorreo gente a esta apparição, de que naõ ha noticia do tempo em que appareceo: fizeraõ-lhe huma Capelinha, aonde esteve muitos annos: mas das muitas smolas, que deraõ inummeraveis romeiros, (que concorem de varias partes, por seus infinitos milagres, desde cinco de Agosto até ao ultimo sabbado do mesmo mez, & o mesmo concurso de gente se encontra do primeiro sabbado da Quaresma atè ao ao ultimo daquelle santo tempo) se fez esta grande Igreja, em que hoje está muito bem ornada no meyo de hum ermo.

In: Costa da, P. António Carvalho, Corografia Portuguesa, Tomo I, 1706, p. 134-135

 

ABOIM, […] O que mais notável ha em Aboim para ver é sem duvida o templo da Senhora da Lagoa, se não pelo que interiormente vale, ao menos pela vastidão do horisonte que d’ahi se disfruta. Da imagem, diz a lenda ter sido achada por uns pastores que andavam n’esse monte de Aboim, e do que ella hoje vale em devoção dizem-n’o as concorridas romagens que ali vão de muitas terras dos concelhos de Fafe, Lanhoso e Cabeceiras […]»

Nota: por lapso não foi referida a fonte deste ultimo trecho.

 

 

In:  Monteiro, Miguel, Cultos e Ocultos de Monte Longo, Mínia, 3ª série – ano II – 1994.

 


 

sábado, 29 de agosto de 2020

A SANTINHA DE FAFE uma figura do tempo de Ruy Monte


A SANTINHA DE FAFE


«Onde isso vai!

Onde vai já a minha fé de criança!

Acreditava em tudo… Até acreditava nos homens!...

Hoje nem em mim acredito!

Os santos e os médicos julgava-os então parceiros ou sócios (mas não concorrentes desleais), a curar os nossos achaques e os nossos males.

E, com a mesma fé, comprava óculo para a vista e fazia promessas a S.ta Luzia.

Que feliz eu era então!

- Que era ingénuo… que era um simplório… que não raciocinava… que era talvez um lorpa – direis vós.

Pois era, meus amigos, pois era… mas, nesse mundo de fantasmas, santinhos e bruxas, eu sonhava, eu não sofria os tormentos da dúvida… eu era feliz, como uma criança, no reino dos seus brinquedos.

Que me deram a vida e a ciência em troca?

- Um presente de desilusões e cepticismo… e um futuro de desesperos e aniquilação.

Ora bolas para a troca…

 

 

Vem isto a propósito da Santinha de Fafe.

Conhecem-na?

Conhecia-a eu muito bem, nas minhas idas e vindas, da Escola de Castilhão, com o meu bibe ao vento, a sacola aos ombros e 8 anos de saúde de ferro e estômago de avestruz.

Aquele seu quartito todo branco, como aquela alminha de Deus toda branca, brancas as roupas, branco o rosto e as mãos, branco o tecto… e, no meio daquela brancura toda, uma frescura imaculada, um sorriso que parecia do céu e uns olhos vivos e irresistíveis que nos chamavam, daquela cama de sofrimento, como um íman a que ninguém fugia.

E todos lhe perguntávamos, eu e os meus companheiros, e toda a gente afinal, suspensos das suas palavras, que também pareciam imaculadas e brancas:

-A santinha ainda não comeu hoje?

A resposta, a sorrir, era sempre a mesma:

Pois não, meus meninos.

Eu não como nem bebo.

E eu mais atrevido:

- Então também não faz chi-chi – nem có-có?

- Pois não, meus anjinhos.

Ela mergulhava nas suas orações brancas… e nós ficávamos em êxtase, no sétimo céu da inocência feliz.

 

Nessa idade, era eu um diabrete de tal força que apanhava seis tareias, por dia: três na aula e três em casa!

A minha santa mãe, que Deus haja, já desesperada, lembrou-se de pedir um milagre à santinha.

Certo dia, lá fomos os dois.

Minha mãe falou-lhe ao ouvido… e ela sorriu.

Que si… que sim. Que sossegasse a senhora Mariquinhas, que ela me ia tomar à sua conta.

E começou a rezar o seu tercinho branco, diante de nós…

 

Não levou muito tempo que minha mãe acreditasse no milagre. Comecei a apanhar só uma vez por dia!

E mais ainda se convenceu, quando aos 12 anos, despertou em mim o desejo de ser padre, desejo que veio dela certamente e durou nada menos de 10 anos de sonho.

O pior foi que a Santinha morreu.

Surgiu, na minha vida de homem feito, outra santa… menos branca talvez… mas mais irresistível.

E lá foi a minha vocação para as malvas…

Mas quem me dera que o tempo voltasse para trás, que a Santinha ressuscitasse e voltasse àquele quartinho branco! Que eu, de novo estreasse um bibe ao vento e partisse a cachola aos meus companheiros! E que minha mãe tornasse a acreditar nos milagres!

Mesmo que voltasse às seis tareias por dia…»

 

Por Ruy Monte

In: jornal “Justiça de Fafe”, nº 118, 21 de Dezembro de 1978

 


 

sábado, 22 de agosto de 2020

O PADRE ANTÓNIO UMA FIGURA DO TEMPO DE RUY MONTE

Capela da Senhora do Carmo anexa à Casa do Santo Velho
 


«FIGURAS DO MEU TEMPO

Padre António

Por Ruy Monte

Eu não devia ter mais de dez anos.

Não tinha, não.

Juntamente com um companheiro da escola, comecei a ajudar à missa a este santo sacerdote.

Celebrava ele na capela do Santo Velho.

No fim de cada missa, lá vinha sempre a borracheirona e grossa criada daquela casa servir-nos o pequeno almoço. Café com leite e pão com manteiga.

Que bem nos caía aquele mata-bicho, depois de uma hora ou mais de prisão na capela!

- Presos? Presos, sim, mais de uma hora, porque o nosso querido Padre António tão santa e devotamente celebrava que chegava a parar em êxtase, na consagração.

Era preciso puxar-lhe pela alva:

-Sr. Padre António! Sr. Padre António! Já consagrou! Já consagrou!

Estremecia, como se acordasse… e voltava normalmente ao mesmo encantamento celeste…

 

 

Só conheço na língua portuguesa uma palavra que possa definir cabalmente esta figura singular da nossa terra: Santo.

Era realmente a santidade em pessoa, mas santidade verdadeiramente angélica, feita de todas as inocências da criança e dos místicos arroubos do anjo.

Tão simples, tão inocente, tão despido de amor de si próprio e tão longe das mais pequenas malícias até da criança, que dificilmente se compreendia como é que um homem pode tornar-se adulto e pode formar-se padre, sem chegar a conhecer o mundo e as suas maldades.

Mas também tão conhecida era de toda a gente a sua inocência que ninguém se escandalizava com os seus actos, por mais estranhos e anormais que parecessem.

Pois, às vezes, eram mesmo inconcebíveis em qualquer um de nós.

Toda a gente tinha a impressão de que o Padre António não andava neste mundo e que a sua evolução física e moral não tinha passado dos três ou quatro anos de outros tempos.

Era assim, certamente, que o nosso pai Adão cirandava no Paraíso Terreal, antes da parra e da maçã fatal…

 

 Qualquer garoto o enganava com mentiras e desastres, que o punham logo a correr ou a rezar.

Qualquer mulher leviana lhe enfiava o braço na rua e o passeava no Largo, todo satisfeito com a sua companhia.

Qualquer falso pedinte lhe apanhava três ou quatro esmolas ao dia, sem dar por isso.

E era preciso que a criada Laurinda lhe escondesse dinheiro, roupas e géneros, para que ele não esvaziasse a casa!

 

 

Das muitas coisas estranhas que fazia quase diariamente vou mencionar apenas a que costumava praticar com qualquer mãe modesta, que encontrasse, na rua, a amamentar o filho.

Aproximava-se, muito lento e muito alegre, abria-lhe com toda a naturalidade a blusa, e erguia as mãos para o céu, balbuciando como os anjos hão-de cantar, certamente, no canto das onze mil virgens:

- Ai! Que tu tens muito leitinho para o teu menino! Deixa lá ver! Deixa lá ver!

Toda a mulher humilde sorria satisfeita, sem corar e sem revolta, mostrando os mimos, à vontade, que Padre António tocava com mãos de seda e logo benzia como um santo:

-Agora, agasalha-te muito e não deixes o menino passar fome.

Foi Deus que te deu esse leitinho todo para ele…

A criança continuava o seu pequeno almoço. A mulher compunha lentamente a blusa.

Padre António retirava-se, rezando as contas.

E, certamente, lá de cima, do Paraíso, Deus e os Anjos vinham espreitar tão formosa cena inocente, só própria dos tempos bíblicos, em que ainda Lusbel não reinava neste mundo…»

 

In: jornal “Justiça de Fafe”, nº 139, 11 de Outubro de 1979. P. 8.

 

Acreditando que Ruy Monte tinha dez anos de idade, esta crónica aconteceu pelos anos de 1912… O autor nasceu em 1902.


Reprodução do jornal "Justiça de Fafe"


terça-feira, 18 de agosto de 2020

CASA DO SANTO VELHO

 

A casa do Santo Velho, localizada na Avenida das Forças Armadas, em pleno centro da cidade, é a mais antiga da urbe. A sua construção remonta ao século XVII. Até 1698 a casa pertencia a Manuel Rodrigues dos Santos e sua mulher Rosa dos Santos de Sampaio e Melo. Nesse mesmo ano, em 20 de Abril, uma renovação de prazo feita pelo Mosteiro da Costa em Guimarães, reconheceu João dos Santos como legitimo herdeiro da Casa do Santo.

Este interessante conjunto arquitectónico de características solarengas, foi sede de um conjunto de quintas que ocupavam uma vasta área que, aos poucos, durante o século XX, a expansão da antiga vila foi ocupando com a abertura de novas artérias onde se construíram prédios, casas e estabelecimentos de ensino preparatório e secundário.

A casa do Santo Velho, assim designada após a construção da casa do Santo Novo (actual Casa Muncipal de Cultura) em 1869, foi propriedade de um dos mais abastados homens do concelho de Fafe no século XIX, José Leite Pinto de Saldanha e Castro.

O conjunto arquitectónico do Santo Velho desenvolveu-se pelo corpo central em “L” com dois pisos: o inferior, outrora ligado à produção agrícola, com cozinha dotada de uma imponente chaminé de tradição minhota e o piso nobre para habitação.


A entrada principal, que dá para um pátio frontal, é marcada por um belo portal, formado por duas pilastras que sustentam um frontão triangular, rematado por três fogaréus. No tímpano, sobre uma ampla porta de arco abatido, ostenta um bem trabalhado brasão de armas dos Ribeiros e Queirós, com escudo de fantasia, assente em cartela decorativa com volutas e motivos vegetalistas; elmo de grade, com viro.

Segundo o investigador Luís Gonzaga Ribeiro Pereira da Silva, estas armas têm origem na Casa de S. Nicolau de Basto: “De um antepassado que teve Carta de Brasão, na qual constavam estes apelidos”.


Em finais do século XIX, encostada ao lado exterior da fachada principal, prolongada por um muro ameado, foi construída uma pequena capela, pertencente à casa, dedicada a Nossa Senhora do Carmo, de linhas simples. A fachada tem porta e janela de arcos plenos que são encimadas por um frontão triangular com um pequeno brasão religioso no meio do tímpano.




Esta casa seiscentista, símbolo de uma nobreza rural tão enraizada em toda esta região minhota, é um dos principais atractivos do património arquitectónico da cidade, cujos herdeiros, mantendo a mesma atitude nobre dos seus antepassados, restauraram a preceito em 2008.

A casa do santo Velho foi classificada como Imóvel de Interesse Público em 1986.




NOTÍCIA GENEALÓGICA

A casa do Santo Velho é indissociável da sua homónima Nova.

Desde a segunda metade do século XIX ambas estiveram intrinsecamente ligadas à história de várias gerações de uma numerosa e nobre família que, em muitos momentos, influenciou a própria história local de Fafe.

Deixamos aqui a transcrição integral da “Notícia Genealógica” publicada no 1º número dos Cadernos Culturais da Câmara Municipal de Fafe em 1986.

A casa antiga brasonada do Santo, hoje denominada do Santo Velho, remonta aos finais do século XVII, sendo a sua origem conhecida já em 20 de Abril de 1698 quando o Mosteiro da Costa em Guimarães renovou um prazo do Santo, em Fafe, a João dos santos, solteiro, que herdara de Manuel Rodrigues dos Santos e mulher Rosa dos Santos de Sampaio e Melo. Uma filha deste casal, D. Rosa dos Santos de Sampaio e Melo, casou com Francisco Ventura de Abreu Bacelar Sousa, o qual era oriundo da Casa Nobre da Fonte da Breia, em S. Nicolau, Cabeceiras de Basto. Na descendência destes conta-se D. Maria Barbara de Abreu Bacelar, que em 1797 casou com Jerónimo Tomás de Castro Abreu e Magalhães, da Casa do Casal em S. Nicolau, Cabeceiras de Basto.

Deste matrimónio nasceu em 1800 uma filha, Leonor de Castro Abreu e Magalhães, a qual casou com António Leite Pinto Saldanha de Miranda, viúvo, da Casa de Ambrões, freguesia de S. Jorge da Várzea, em Felgueiras. Em 1827, deste matrimónio nasceu José Leite Pinto Saldanha de Castro, que casou com sua prima direita D. Maria dos prazeres de Castro Abreu e Figueiredo. Deste enlace nasceram nada menos de 19 filhos. O fidalgo José Leite, vendo aumentar a família e que a casa do Santo Velho era pequena, resolveu construir a majestosa Casa do Santo Novo que ficou concluída em 1869.

O 1º filho que ali nasceu foi o Dr. José Leite Saldanha de Castro que em 1907 casou com D. Maria das Dores de Meireles Teixeira Coelho, da Casa do Campo, em Molares, Celorico de Basto.

E por ele haver tocado em partilhas metade da Casa do Casal da Breia, em S. Nicolau de Basto, foi para ali residir, onde faleceu a 10 de Junho de 1940. Deixou 8 filhos vivos: 3 tinham morrido em criança.

A filha mais velha de José Leite Pinto Saldanha de Castro e de D. Maria dos Prazeres foi a D. Lucrécia Júlia Leite de Castro que casou, no oratório da Casa do Santo Novo em 1977, com António Ferreira da Silva Brito, 1º Visconde da Ermida.

As casas do Santo, quintais e quintas anexas ficaram em herança ao filho Padre António e filhas solteiras de José Leite Pinto Saldanha de Castro e esposa, dos quais em 1923 apenas sobreviviam 0 Dr. José Leite, Fernando de Castro Abreu e Leite, D. Maria dos Prazeres Leite de Castro e D. Emília Augusta Leite de Castro.

Mais tarde, a Casa do Santo Velho e boa parte da do Santo Novo ficaram a pertencer à irmã mais nova, D. Emília Augusta Leite de Castro, que casou em 1926 com o Dr. Carlos Morais de Miranda.

Em testamento, D. Emília Augusta Leite de Castro, falecida em 1954, deixou o usufruto da Casa do Santo Velho a sua sobrinha D. Lucrécia Ferreira da Silva Brito e a raiz a suas segundas sobrinhas D. Maria José, D. Maria Fernanda e D. Maria Helena Pinto da Fonseca Ferreira da Silva Brito, filhas do eng.º António Ferreira da Silva Brito, 2º Visconde da Ermida. Em 1980, faleceu a filha mais nova, D. Maria Helena, tendo ficado portanto desde aí a Casa do Santo Velho a pertencer às outras duas irmãs, D. Maria José e D. Maria Fernanda Pinto da Fonseca Ferreira de Brito. Só esta última casou e teve 3 filhos.

A Casa do Santo Novo e os quintais anexos, com cerca de 20.000m2, após a morte de D. Emília Augusta Leite de Castro ocorrida em 1954 na mesma casa, foram vendidos à Câmara Municipal de Fafe, para aí ser construída a Escola Técnica.

A compra foi efectuada em 1958 pelo então presidente da Câmara, prof. Manuel Cardoso.

A Casa do Santo Velho tem um importante portão encimado pelo brasão com as armas de Ribeiros – Queirós e Vasconcelos.

Tinha estes apelidos D. Joana Cândida, 1ª esposa do citado António Leite Pinto Saldanha de Miranda.

É curioso referir que, para efectuar uma grande reparação na Casa do Santo Velho, José Leite Pinto Saldanha de Castro recebeu um conto e duzentos mil réis de seu tio e tio de sua mulher, Fernando de Castro Abreu e Magalhães, o qual declarou em 1856 lhe perdoaria a divida logo que ficasse concluída a Casa do Santo Novo, localizada no “sítio da Quebrada”.

Dos dois casamentos deste Fernando de Castro há numerosos descendentes: da Casa de Cabeça de Porca, em Felgueiras; e de bastantes ramos brasileiros”.




segunda-feira, 10 de agosto de 2020

PASTELARIA E CAFÉ IMPÉRIO


 «Abriu no pretérito dia 11, amplamente remodelada, a Pastelaria e Café Império, situada na Praça Dr. Oliveira Salazar, tendo adjudicado às suas novas instalações o estabelecimento onde esteve instalada uma casa de ferragens e mercearia.

A Pastelaria Império, que até à data estava situada num apertado estabelecimento na rua Cândido dos Reis, apresenta-se hoje na Praça Oliveira Salazar, de excelente aspecto, atraente e luxuoso, honrando assim o seu comércio, o seu proprietário snr. Alcino Pereira Leite e a nossa terra, que vai caminhando, desta maneira, para a beira do progresso.

É um estabelecimento digno de ser visitado por todos que amam a sua terra e o seu progresso, ficando a atestar o esforço e bom gosto do seu proprietário.

A Pastelaria Império está instalada com todos os requintes modernos, de que Fafe deve orgulhar-se assim como o engenheiro e arquitecto a quem foi confiada a obra, do estabelecimento de fino gosto apresentado. Não lhes devemos regatear louvores, que aliás são bem merecidos.

À inauguração, estiveram presentes, autoridades, Delegado Escolar, Comandante dos Bombeiros e da Legião, Dr. Tomaz de Alvim e outras pessoas de respeito, os rev.os P.os Joaquim Leite Araújo, digno abade de Fafe, que procedeu à bênção do estabelecimento, P.e Alberto, Coadjutor e Capelão do Hospital e algumas senhoras vindas de fora.

Os nossos mais sinceros cumprimentos para o seu proprietário, com votos e desejos de muitas felicidades e bom negócio para a Pastelaria Império.»

IN: Jornal “O Desforço”, 18 Maio 1961.

 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

HOSPITAL DA MISERICÓRDIA Primeira pedra foi lançada há 161 anos


“A iniciativa da construção deste hospital, cópia de uma outra casa de «caridade» do Rio de Janeiro, deveu-se à filantropia dos «brasileiros» de Fafe, destacando-se, entre outros, Luís António Rebelo de Castro, Leonardo Ribeiro de Freitas, comendadores António Gonçalves Guimarães, Albino de Oliveira Guimarães e José António Vieira de Castro, liderados por José Florêncio Soares, que, no Rio de Janeiro, promoveu a constituição da comissão promotora desta benemérita obra. O êxito da iniciativa fez com que rapidamente se tivessem conseguido avultadas verbas, iniciando-se a sua construção, com o lançamento da primeira pedra, em 6 de Janeiro de 1859, onde foram lançadas as tradicionais moedas de ouro, segundo a imprensa da época, símbolo da prosperidade desejada”

Miguel Monteiro

In: “Fafe dos «Brasileiros» (1860-1930) Perspectiva Histórica e Patrimonial, Fafe 1991




quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O primeiro rancho folclórico de Fafe

Reprodução do Almanaque Ilustrado de Fafe, 1938.


Com a denominação de "Rancho da Mocidade da Fábrica do Ferro", este grupo foi criado por iniciativa de António Mota, Carlos Freitas e Armando Ferreira, colaboradores da importante fábrica.

Integrado por jovens operários, sob a direcção de João Mendes Ribeiro, Joaquim da Silva Leite e José Ferreira, este foi o primeiro rancho folclórico organizado em Fafe.

Com direcção artística de José Maciel Júnior, Anibal Rodrigues e Ivo Maciel Lopes, este rancho fez a sua estreia no Jardim do Calvário, no dia 24 de Julho de 1937.

A imprensa da época refere algumas outras actuações deste rancho pioneiro, fundado há 83 anos, que, alegadamente, não teve vida longa.